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A Fadinha Contadora de Histórias

                                                               


Arte: Ketlyn Mayla




Era uma vez uma fada que gostava muito dos humanos, e procurava orientá-los a seguir a estrada que não lhes traria dissabores. Contudo, a gentil fadinha não tinha permissão para interferir em suas vidas e, muito menos, revelar sua verdadeira identidade. Ela teve uma ideia: sempre que visse pessoas reunidas, ela se aproximaria para contar-lhes uma história e, no final, entregaria uma rosa a cada uma delas. E a fadinha contadora de histórias passou a ser convidada para participar de vários eventos. E, sempre, ao término de todos eles, ela distribuía uma rosa para cada espectador. Certo dia, uma garotinha, após receber sua rosa, perguntou à fada por que ela tinha esse hábito, e a fada respondeu: “As rosas, que eu ofereço em número reduzido, geralmente mudam de mãos e acabam chegando a um grande número de pessoas. Embora essa rosa seja sua, eu tenho a certeza de que você já está pensando em ofertá-la a alguém que você ama. Talvez a pessoa que a receba de suas mãos também sinta vontade de entregá-la a outro alguém. E, assim, essa rosa alegrará os olhos e o coração de muitas pessoas. O mesmo acontece com as histórias quando são recontadas. Os ouvidos que os meus lábios não conseguirem alcançar receberão os ensinamentos através de outros lábios amorosos.”

Sisi Marques
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Rafael, o Elfo e o Lobo

Rafael, um garoto de doze anos, costumava ajudar seu pai a vender legumes na feira. Aquela era a segunda vez que ele via o mendigo, com as costuras das calças desfeitas das barras até os joelhos, sentado na calçada, recostado no muro alto, que estabelecia o limite entre a vila e a floresta. Apesar da pouca idade, o garoto compadeceu-se do mendigo. Mas quem despertou ainda mais a sua compaixão foi o cachorro, que estava ao lado dele, e parecia prestar atenção a tudo o que acontecia ao redor.

Na verdade, o garoto não precisava ajudar o pai na barraca da feira que diariamente se instalava na praça, porque o seu pai contava com a assistência de Angenor, um empregado de confiança. Percebendo o quanto Rafael estava distraído, Angenor pensou que ele estivesse entediado e sugeriu que ele deixasse a barraca por alguns minutos, para comprar algo para comer e divertir-se um pouco.

O garoto aceitou a sugestão e apressou-se quando viu o mendigo levantar-se e caminhar, acompanhado de seu velho cão, em direção à passagem que conduzia à floresta. Rafael não hesitou em segui-los e, minutos depois, lá estava ele contemplando as árvores gigantescas que, segundo os moradores da vila, eram encantadas.

Embora a lenda dissesse que ninguém jamais conseguiria derrubar aquelas árvores, Rafael também já ouvira muitos lenhadores dizerem, a seu pai, que as histórias sobre as árvores não passavam de superstição, e eram elas que fortaleciam a lenda.  Eles tencionavam derrubar as árvores para alargar os limites da vila, que estava se tornando pequena para a população que não parava de crescer.

Pensando em tudo o que já ouvira dizer sobre as majestosas árvores, Rafael assustou-se quando um elfo e um lobo surgiram à sua frente. Confuso com a inesperada aparição, ele procurou desculpar-se dizendo que entrara na floresta apenas porque estava curioso para saber onde o mendigo e seu cão moravam, mas que, depois, os perdera de vista.

O menino sentiu-se desconfortável sendo o alvo do olhar penetrante do jovem elfo e de seu imponente lobo negro. As palavras eram desnecessárias, porque Rafael compreendeu logo a mensagem que aqueles dois habitantes da floresta desejavam transmitir: “O elfo era o mendigo, e o lobo o seu cão. Aquela floresta era o lar de muitos seres encantados. Rafael precisava voltar à vila e dizer a todos que aquele lugar precisava ser preservado para que eles pudessem sobreviver.”

Rafael parecia hipnotizado e só conseguiu fechar os olhos quando o elfo e o lobo negro desapareceram do mesmo modo misterioso que haviam chegado. Ele correu... Correu como um louco em direção à vila... Ele estava desesperado para repetir as palavras silenciosas que o seu olhar e a sua intuição conseguiram captar.

Rafael não possuía o hábito de mentir. Todos o consideravam íntegro e confiável, e a história que ele contou sobre sua incursão na floresta desencorajou os lenhadores de desafiarem a lenda.

Sisi Marques

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O Livro Proibido

Era uma vez um livro,
Em cuja capa estava escrito:
“Nunca abra este livro”.

Mas Inocêncio, um garoto muito curioso,
Que não recuava frente aos desafios,
Resolveu, na biblioteca,
Escolher justamente esse livro.

Ele poderia ter escolhido qualquer outro,
Mas a advertência: “Nunca abra este livro.”
Despertou a curiosidade em sua imaginação
E desenhou, em seu rosto, um sorriso.

Inocêncio abriu o livro proibido,
E, de suas páginas, saltou alegremente
Um monstrinho verde, muito atrevido.

O monstrinho adorava contar histórias
E fazia questão de ser ouvido.
Inocêncio, no início, aborreceu-se
E tentou prendê-lo novamente.

Mas o encanto havia sido quebrado,
E o livro não poderia mais aprisioná-lo.
Inocêncio, pesaroso, arrependeu-se
De ter, a advertência, ignorado.

Com o passar do tempo, no entanto,
Ele se afeiçoou ao insistente monstrinho...
Passou a compilar suas histórias,
E todos pensaram que fosse ele o autor.

Ele tentou dizer a todos
Que era o monstrinho
Quem as escrevia...

Mas, em sua palavra,
Ninguém acreditou.
E, até hoje, todos consideram
Inocêncio um grande escritor.


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O Coelhinho Adalberto

Marina era uma garotinha que gostava muito de seu coelhinho Adalberto. Faltavam dois dias para a Páscoa quando ela teve um sonho: Um coelho enorme apareceu e disse que o Coelho da Páscoa havia solicitado que Adalberto o substituísse. Sem explicar o motivo do pedido, o coelho acrescentou: “Adalberto precisa cumprir a missão especial que sempre é atribuída ao Coelho da Páscoa nesta época do ano: ele terá que transportar uma urna gigantesca até o céu. Não fique me olhando com essa cara de ponto de interrogação!... Leia este bilhete que está tudo aí, muito bem explicado.” Após entregar a Marina uma folha de papel, cuidadosamente dobrada, o coelho desapareceu. O bilhete dizia:

“O meu nome é Eduardo. Sou um duende, secretário do Coelho da Páscoa. Duendes também têm sonhos, e há algo que preciso lhe explicar: Os sonhos, quando começam a germinar, assemelham-se a pequeninos ovos alados. Se os cultivarmos, eles crescem e nos conduzem em seu voo. Se, por outro lado, nos descuidarmos deles, eles nos abandonam. Ciente disso, o Coelho da Páscoa costuma ajudar-nos a preservar os nossos sonhos, acondicionando-os em uma urna que se assemelha a um ovo gigante. Se adquirirmos maturidade para cuidar dos nossos sonhos antes da Páscoa, ele abre cuidadosamente a urna e os reenvia em nossa direção. Se, em vez disso, a Páscoa chegar, e ainda não tivermos assumido o compromisso de fortalecer os nossos sonhos, para evitar que eles morram, o Coelho da Páscoa os leva, dentro da urna, para o céu. Durante a Páscoa, os Anjinhos cantam no céu, e o seu canto produz uma chuva fina e esverdeada, que é conhecida como a Chuva da Esperança. Essa chuva banha os sonhos e os renova, para que eles possam ser devolvidos à urna e reenviados a quem os concebeu.”

O bilhete terminava aí. E, no mesmo instante em que Marina acabou de ler o bilhete, ela acordou e ficou muito triste quando compreendeu que não havia sido apenas um sonho: o seu coelhinho desaparecera. Adalberto certamente partira para cumprir a importante tarefa que o Coelho da Páscoa lhe confiara.

Marina não se enganara. Adalberto aceitou a missão com galhardia. Mas, apesar da coragem e determinação do nobre coelhinho, a urna em forma de ovo era muito pesada, e ele não conseguia levá-la até o céu. Adalberto voava sem ter asas, e houve um momento em que ele pensou: “Se eu não soltar a urna, cairei certamente. Se eu soltar a urna, ela se espatifará no chão. Mas, se eu não soltá-la, terei que dizer adeus a esta vida!...”

E duas ordens opostas começaram a ecoar na mente e no coração de Adalberto: “Solte a urna!... Não, não solte!... Solte a urna!... Não, não solte!... Solte a urna!... Não, não solte!...”

Adalberto fechou os olhos e permaneceu agarrado à urna. Para sua surpresa, ela se tornou leve. Quando ele abriu os olhos novamente, alegrou-se ao avistar os Anjinhos que cantariam para renovar os sonhos. Um deles disse: “Você já pode retornar. Marina está triste e sofre muito com a sua ausência. O Coelho da Páscoa pediu a sua ajuda, porque precisava saber se você estaria pronto para ocupar o lugar dele quando chegasse o momento. É isso mesmo, Adalberto, pode se alegrar, porque você, daqui a alguns anos, será o Coelho da Páscoa.”

Adalberto sorriu satisfeito. Seguindo a orientação do mesmo Anjo, ele fechou os olhos e, quando tornou a abri-los, já era o alvo do olhar carinhoso de Marina, que correu para aconchegá-lo em seus braços.


Sisi Marques


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A Fumaça Rosa com Cheiro de Flor

Há muitos anos, no tempo em que, no vale das bruxas, parecia existir apenas maldade, uma chama vacilante começou a clarear aquela dimensão sombria. Essa chama se alimentava da mudança de atitude por parte de Rugosa.

Quem era Rugosa? Aí está um fato muito interessante: durante centenas de anos, Rugosa ensinou as bruxas adolescentes a praticar feitiços, e essas bruxinhas tornaram-se más e impiedosas. Mas a velhice pode trazer sabedoria até mesmo a uma velha bruxa, e foi exatamente isso o que aconteceu: Rugosa cansou-se dos velhos feitiços, e resolveu ensinar suas alunas a escrever contos de fada.

Pensa que estou mentindo?!... Recebi essa história de fonte segura: a garota que me contou essa história foi aluna da bruxa Rugosa, e ela me explicou o que motivou Rugosa a trocar os feitiços malcheirosos pelos livros de histórias: nas páginas de um conto de fadas, há claridade, alegria e esperança. No final, todos os sonhos se realizam. Nos feitiços, acontecia exatamente o oposto: eram os piores pesadelos que se tornavam realidade.

Naturalmente, o comportamento de Rugosa desagradou outras bruxas, e ela foi expulsa do vale. Mas a chama, que no início era vacilante, intensificou-se porque os novos ensinamentos de Rugosa criaram raízes no coração de suas alunas, que a seguiram para uma parte isolada da floresta. Elas chamaram o lugar de floresta encantada. No centro, havia uma clareira. E, no meio da clareira, havia um enorme caldeirão. O fogo debaixo do caldeirão ardia... E, de sua enorme boca, subia uma fumaça rosa com cheiro de flor.

Pensa que estou mentindo?!... Aquela fumaça rosa com cheiro de flor inspira histórias. Sim, para você, eu posso revelar meu segredo: o fogo debaixo do caldeirão arde até hoje... E, de sua enorme boca, continua subindo a fumaça rosa com cheiro de flor, que me inspirou a escrever esta e outras histórias.



Sisi Marques
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O Ratinho e a Página do Livro

Certa vez, enquanto roía a página de um livro, um ratinho vislumbrou uma formosa ratinha dançando num baile da corte.

Contrariado, teve que correr para se esconder do gato que se aproximava. Antes, porém, arrancou, num único puxão, a preciosa página.

Minutos depois, surpreendeu-se ao verificar que o gato não notara sua presença, porque estava preocupado em conquistar a gatinha que repousava na grama do jardim.

Da janela, o ratinho podia ver os esforços do gato para conquistar seu novo amor. Suspirou!... O gato era mais afortunado do que ele, porque o seu amor era real.

Não demorou muito, o ratinho ouviu um farfalhar na estante. Correu para verificar quem se atrevia a invadir seus domínios, e atrapalhou-se todo ao encontrar uma ratinha chorando.

Quando ele perguntou qual era o motivo daquele lamento, ela respondeu:

– Alguém roubou o meu precioso tesouro!... Estava aqui, neste lugar.

Enquanto falava, a ratinha apontava para o que restou da página que o ratinho rasgara apressado.

Intrigado, o ratinho foi buscar a página que escondera com receio de que o gato a destruísse, e mostrou-a para a ratinha. Encantada ao verificar que o cavalheiro que dançava com a formosa dama se parecia com o ratinho que estava à sua frente, ela sorriu.

Na verdade, ambos sorriram ao perceber que compartilhavam o mesmo sonho, e puseram-se a roer juntos a folha amarelada.

F   I   M
Sisi Marques